domingo, 15 de fevereiro de 2009



O objetivo desse texto poderia ser apenas um reflexão sobre a vida e a morte, mas é mais que isso.

Quando vi aquele heróico cachorrinho - mesmo irremediavelmente doente e em imenso sofrimento - chorar e soluçar por ter que deixar este mundo, não pude deixar de pensar nos milhares de outros, que gozam de plena saúde, mas que são friamente assassinados em nosso nome, por entidades do Estado Brasileiro, a cada semana.

Essa foi a herança que o cãozinho deixou: um grito de alerta para que nós, humanos, compreendamos a imensa brutalidade que é essa matança.

Os cães são os maiores companheiros e o maior presente que a natureza nos deu. Eles nos amam incondicionalmente, sua fidelidade é sólida como as mais profundas fibras de suas almas de heróis (que sacrificam sem hesitação suas vidas para defender seus donos), sua alegria e seu carinho são lições que a cada dia nos ensinam a ser melhores e a viver melhor...

Não tenho idéia de o que fizemos para merecer tamanho presente...
Deveríamos agradecer a Deus e à natureza esse presente, e mostrar permanente respeito e carinho por esses seres infinitamente alegres e amigos, e que amam tanto a vida, e que a cada dia nos ensinam a amá-la também.

Mas, ao invés disso, criamos "centros de controle de zoonoses", as malfadadas "carrocinhas", que capturam os cães pelas ruas e os assassinam com bestial frieza!

Às vezes eu penso: o que, afinal, nossa espécie está fazendo na Terra? aonde queremos chegar? Não nos contentamos em estar destruindo cada um dos ecossistemas do planeta, não nos contentamos em nos comportar como verdadeiros playboys mimados, que - sem qualquer consciência ou segundo pensamento sobre o fato de existirem outros seres - dilapidamos a herança que a natureza nos deu, numa verdadeira orgia de inconseqüência. Não. Além disso tratamos nossos melhores amigos, os cachorros, como se fossem resíduos descartáveis, não seres brilhantes e repletos de vida.

Vi outro dia na TV um certo professor da USP afirmando que a hostilidade da população contra a carrocinha é devida à "ignorância", pois a população não sabe que os cães podem (sic) "causar doenças".

Pobre criatura vaidosa. Do alto de seu pedestal, ele nem sequer cogita a hipótese de que o ignorante possa na verdade ser ele próprio. A tal "população", as pessoas, podem perfeitamente saber da possibilidade de um cão transmitir uma doença --bem como da possibilidade de outro ser humano transmitir uma doença -- mas nem por isso precisam acreditar que se deve sair por aí praticando extermínios.

O sábio professor nem percebe que seu raciocínio brota do mesmo campo de onde brotaram as maiores monstruosidades da história humana. A mente dissociada do coração é um mecanismo defeituoso e pervertido, que pode levar para absolutamente qualquer direção e fazer estragos sem qualquer limite. Não existe nada mais ignóbil do que a pseudo-sabedoria, que tenta mostrar a "lógica" de atos monstruosos através de argumentos "científicos", mas sem discutir os aspectos éticos da questão.

A solução para o problema da carrocinha, porém, não é de modo algum hostilizar os funcionários da carrocinha, muitos dos quais também sofrem com a matança dos animais. A solução é exigir dos políticos que a matança seja proibida por lei, e seja substituída por programas de esterilização e adoção, como muitos que já existem em curso.

Texto de André Masini.
O autor é Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.

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